quarta-feira, 23 de junho de 2010
Em Petrópolis já é inverno
sexta-feira, 4 de junho de 2010
Como pode ter feito isso comigo?
Branca,
Como pode ter feito isso comigo? Estive morrendo de preocupação durante todo esse tempo e cheguei a achar que algo seriíssimo havia te acontecido! Na semana passada estava falando com Luke e ele mesmo me incentivou que fosse a Lisboa buscar notícias tuas. Por que teve que voltar às pressas? Foi por causa de tua avó que voltastes? O que ela teve? Continuo com planos de ir à Lisboa, por isso me diga se posso apanhar tuas coisas nalgum lugar. Eu detestaria saber que os objetos pessoais de uma amiga como você foram parar nas mãos de estranhos! E minhas cartas? Levastes? Toda essa reviravolta me deixou completamente anuviado e nem sei bem o que dizer... Se ao menos tivesse uma cópia da última mensagem que te enviei saberia por onde começar. Bem, acredito que minhas últimas palavras tenham sido em torno de Henrique, meu primo, que depois da guerra permaneceu na Europa e que agora já deve estar de volta ao Brasil. Minha amiga, tantas coisas aconteceram desde aquele dia em que nos encontramos... Depois de nossa viagem e de todo o sofrimento pelo qual passamos. Como era de se esperar, logo após a partida de Henrique, eu e Luke nos envolvemos e passamos a ter um relacionamento amoroso de muitíssimo afeto. Se não fosse por culpa do amor que sinto por Henrique, talvez eu e Luke ficássemos juntos para sempre. Acontece que, dois meses depois da partida de meu amado, adoeci e pensei que morrer seria minha única salvação. Luke, frágil e apaixonado, sofreu tanto que desistiu de me ver naquele estado – pediu ajuda a nossos amigos e afogou-se em bebidas e haxixe como eu nunca havia antes presenciado. Foi uma tortura para todos nós, tendo apenas nossa querida Jackie, e sua inexplicável sensatez, a zelar por nós nestes dias tão difíceis. Estive completamente louco devido aos medicamentos e entorpecentes que andei tomando, especialmente quando descobri, através de minha irmã, que Henrique decidiu casar-se com Mariana, nossa prima em comum, para assim ascender na mineradora de meu pai e meu tio. Branca, não sabes o que passei em Paris nesses dias... O que pode estar se passando pela cabeça de meu primo? Casar-se para ter status e empregados a sua disposição? Ele não pode estar amando Mariana, isso não pode ser possível! A discrição com que tenho que falar com minha irmã sobre o assunto me impede de saber dos detalhes desta espalhafatosa e imprevisível união... Nenhuma de minhas cartas foram respondidas por Henrique desde então e, sinceramente, não tenho mais forças para pensar sobre este assunto. Querida, peço-lhe que fique atenta a qualquer notícia que possa vir a ter destes dois. Sei que o casamento não tardará a acontecer e se bem conheço minha prima, insossa e previsível, deve esperar para casar-se com ele na próxima primavera, em meio a muitíssimas flores... Paris não é mais a mesma para mim e penso realmente em mudar-me para algum outro lugar da Europa tão logo consiga meu diploma em Nanterre. Talvez tente a vida em Madri ou em qualquer outro lugar no qual possa me divertir e ganhar algum dinheiro para me sustentar! Se não fosse por Monmartre e pela boemia, creio que jamais sentiria falta deste país triste e sombrio. A sensação que tenho é que nunca conseguirei ser feliz numa cidade tão enfeitiçada pela esperança de renovação a qual se faz refém. Paris é um lixo, um faz de conta que deu certo nesse velho mundo destruído. Bem, não posso me alongar mais porque estou correndo para a aula da tarde e, já que no caminho está o correio, preciso aproveitar para mandar-te estas notícias. Como sei que ficarás curiosa quanto a minha vida amorosa, tenho que contar que estou envolvido com um jovem desenhista chamado Yves Henri. Ele tem apenas 17 anos, mas com ele consigo conversar sobre tudo, ao contrário de Henrique e Luke, o que me faz acreditar que talvez venha a me apaixonar em breve por ele... Assim como deve ter ocorrido entre você e Laura. Por falar nela, conte-me tudo o que aconteceu entre vocês e se ainda mantêm algum contato! Peço ainda que te afastes de Fausto! Ele é completamente louco e acho muito suspeito que tenha conseguido meu paradeiro em Paris. Fale com mamãe e peça a ela que não continue dando informações sobre minha vida para ele! Estou ansioso para saber o que estás planejando com este livro e para ver minha vida com os teus olhos! Só de pensar neste romance fico com um largo sorriso no rosto! Como será este tal Luís Henrique? Espero que ele não tenha nada a ver com o meu Henrique e muito a ver com esse tal Luís, que não sei de onde tirastes, mas que me encanta pela sonoridade do nome... Se depender de nossas histórias em Petrópolis e no Rio, sei que teu romance será um enorme sucesso. Muito boa sorte neste projeto, minha querida! Espero tua carta avidamente!
Je t'embrace très très fort,
Humo.
PS: Acreditas que Charles agora trabalha para Edith Piaf? Isso não é simplesmente incrível? Na próxima te conto como isso tudo se deu e como espero me beneficiar disto!
terça-feira, 1 de junho de 2010
De volta ao Brasil
Querido Humo,
Espero, sinceramente, que essa carta chegue a suas mãos. Querido amigo imagino que deve estar preocupadíssimo comigo, e que provavelmente já tenha me enviado inúmeras cartas depois da última que recebi (aquela do início do ano). Porém, acontece Humo, que tive que retornar ao Brasil às pressas, e o que imaginei que seria uma viagem de apenas um mês, está se tornando uma volta definitiva. Nem mesmo trouxe todas as minhas coisas, nem devo voltar para buscá-las, vão virar história em algum depósito velho e fedido a mofo. Saudoso Humo, não podia ter idéia da saudade que eu estava do Brasil, nosso país é mesmo muito bonito. Aqui estamos no outono, e Petrópolis está linda e gelada, como de costume nessa época do ano. Semana passada, encontrei-me com Fausto, o vizinho de sua mãe, e ele me passou o seu endereço, que eu não sabia de cabeça, e se perdeu entre as muitas coisas minhas que ficaram pela Europa. Tenho que contar-te que o curso transcorreu bem, que passei por um sufoco, mas consegui terminar o trabalho final. Agora estou decidia a ficar por essa cidade linda até o final do ano,pelo menos, e por aqui me dedicar a escrever meu livro, que por tantos dias seguidos tenho matutado na minha cabeça. É isso mesmo, meu amigo, hei de escrever um romance, cheio de mistérios e amores proibidos. E pode se preocupar, pois a sina de quem se envolve com escritores, mesmo no plano da amizade, é se tornar, mais cedo ou mais tarde, um de seus personagens. E você irá abrilhantar as páginas do meu escrito, batizei teu personagem com o nome de Luís Henrique, o que acha? Devo escrever também sobre Laura. As coisas ficaram estranhas por lá, sinto saudades, ela me faz falta todos os dias, mas devo esquecê-la em breve. Esses rompantes de paixão não duram comigo, você bem sabe. Vovó está doente, e como não poderia deixar de ser, me prontifiquei a ficar com ela e ajudá-la no que for necessário. Vovó fez muito por mim, e a amo mais que tudo. Aproveitando que quero me dedicar ao livro, resolvi ficar com ela, nessa casa inspiradora. Até porque não confiaria a ninguém a tarefa de cuidar da minha velhinha preferida. Estou pensando em escrever um pouco sobre nossa juventude aqui em Petrópolis e nossas aventuras no Rio de Janeiro. Talvez assim começar o livro, o que você acha? Ainda não consegui pensar em um título, mas acho que isso não tem importância agora. Com o tempo deve surgir naturalmente. Aguardo por suas novidades, me responda nesse endereço.
Um abraço apertado,
Branca
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Sofrerás, Branca, todos sabemos
Branca,
Infinitas desculpas, minha amiga, este desnaturado sente muito por tê-la abandonado a tua leviana sorte nestes últimos meses. Sinceramente, não o pude evitar frente a tantas coisas surpreendentes que ocorreram. Bem, sinto-me completamente despreparado para contar-lhe sobre tudo o que tenho vivido e, diante da complexidade dos fatos, tentarei ser tão minucioso quanto possível. As preparações para a virada do ano já estavam a todo o vapor e Jackie, Luke, Hélène e eu já havíamos decidido ir ao jantar em casa de Mm. Mimieux, uma célebre pesquisadora da universidade que tornou-se nossa amiga durante os últimos meses do curso de antropologia. Após o jantar, veríamos as comemorações na Champs Élysées com o intuito de repetir a farra e a bebedeira do último 14 de Julho. A esta altura já deves estar desconfiada de que meus planos foram por água abaixo por alguma razão trágica ou maligna. Longe disso, mas ainda sim, tão arrebatadora quanto o fosse, eis que na manhã de 29 de Dezembro fui acordado por um sonolento Luke que me olhava de olhos completamente fechados a dizer “Someone called Heinrich is waiting for you downstairs”... Como é da natureza dos acontecimentos inesperados, aquela frase sem sentido não me proporcionou qualquer idéia do que estaria prestes a acontecer, ou, melhor dizendo, de quem estava prestes a adentrar minha casa e minha vida novamente.
“Heinrich, Heinrich”, pensava eu enquanto vestia uma casaca por cima do horroroso pijama cor de azulejo que tive de comprar para vencer as noites frias (nossa calefação está com problemas, deixando a casa, com sorte, levemente aquecida).
Desci hesitante a escada do edifício, ainda tomado pelos resquícios de haxixe da noite anterior. Contrariado por ter saído tão cedo da cama, praticamente certo de que estava diante de um mal entendido e que o tal Heinrich (um oficial alemão absolutamente desinformado?) estaria à procura de outra pessoa. Ao final da escada, através da pequena vidraça em mosaico da entrada principal, confirmei que Heinrich usava mesmo um uniforme, e apesar do reflexo quebradiço e multiplicado, logo constatei que tratava-se de um homem vitorioso, ao contrário do que suspeitei. Seu contentamento invadia o hall de entrada, multicolorido - vermelho, amarelo e azul. Rodei a fechadura com o coração batendo em minhas têmporas porque já sabia que não se tratava de um alemão chamado Heirinch, como Luke havia pronunciado e eu inferido – ali, sob o céu cinzento de Paris, novamente diante de mim encontrava-se ninguém menos que meu primo Henrique.
Pergunto a você, minha amiga, o que 6 anos são capazes de fazer com duas pessoas que se amaram desde todo sempre? O que eu poderia sentir ao ver seus olhos azuis encarando-me dentre traços recentes e desconhecidos? Henrique, filho do irmão de meu pai, meu primo, meu melhor amigo, meu primeiro amor, meu primeiro beijo, meu primeiro homem. Frente a ele, não pude me sentir diferente de uma criança que recebe, sem se precaver, o melhor presente que lhe poderia ser dado. Minha reação, entretanto, foi estranha o suficiente para que ele se aproximasse de mim e perguntasse se ainda o reconhecia. Ora, é claro que não! Como reconhecer antes do cheiro, do abraço. Como ter certeza? Como reconhecê-lo como algo real após tantas fantasias e incertezas, após tantas vezes tê-lo imaginado morto nalguma trincheira italiana e hostil? Henrique segurou-me pelo pescoço e olhou-me nos olhos da forma mais terna que se pode ser olhado, "Meu menino...", repetiu duas vezes enquanto eu olhava dentro de seu peito. "Meu amor", pensei milhões e milhões de vezes. Se pudesse descrever melhor tal sensação o faria, cara Branca, mas para certos sentimentos, a única descrição cabível é a angústia. Tamanha angústia.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Sobre Laura
Prometi escrever-te o quanto antes para contar em mais detalhes o que está acontecendo aqui pelas bandas de Lisboa, mas quase não me resta tempo para sentar-me calmamente e dedicar-me a descrever tudo da forma como gostaria. Me é tentador pensar em passar as festas de final de ano em Paris, afinal preciso conhecer a famosa Torre, e quem sabe esta pode ser uma boa oportunidade. Mas enfim, não posso garantir nada no momento, pois como já lhe contei na carta anterior, estou apressada em terminar e entregar, no prazo, o meu último trabalho, e este consome quase o meu dia por inteiro. Querido, você bem que poderia me explicar melhor quem são seus amigos, de que tanto falas, são tantos que acabo me confundindo com os nomes e não sabendo quem é quem. Pelo que entendi, você está dividindo apartamento com o Luke, não é? E como é isso? E Jackie Lee? Me conte mais, fico aqui imaginando os rostos, os jeitos, mas você não me dá informações suficientes para que eu possa criá-los na minha cabeça. Por aqui, ainda estou morando com a Dona Ana, aquela senhorinha que me aluga o quarto, ela é um amor de pessoa, é realmente agradável morar com ela. Mas como já falei repetidas vezes, não consigo me sentir em casa, mesmo com todos os mimos que ela insiste em me fazer. Mas não posso reclamar, é uma senhora muito cuidadosa, o apartamento fica sempre limpo e tem comidas deliciosas todos os dias. Estou é ficando mal acostumada. Amigo confidente, o que acontece, é que minha cabeça está muito confusa, muitas coisas acontecendo. Por acaso, você se lembra de Laura? Ela é aquela menina, que cheguei a mencionar, faz o mesmo curso que eu na faculdade de letras. Ela chegou por aqui um pouco antes de mim, mais ou menos uns três meses. E acabamos nos tornando amigas. Laura tem os cabelos longos, negros e lisos, e uns olhos que espantam à primeira vista, mas que atraem ao mesmo tempo, pois contêm tanto mistério que instigam qualquer ser pensante a desvendá-los. Saudoso Humo, é difícil admitir, até para ti, mas a verdade é que depois de tantos anos de convivência, acabei me apaixonando por Laura. E nem posso explicar-te como aconteceu, pois não sei. Claro, não pretendo tomar nenhuma atitude, só farei aprender a conviver com esse sentimento confuso e tentar administrá-lo da melhor forma possível. Ainda não sei bem como agir, pois quando estou com ela (leia-se quase todos os dias na faculdade) não consigo disfarçar, me sinto estranha. E o que procuro fazer é tomar distância e não conversar muito com ela. Porém, imagino que já tenha notado o meu afastamento, ela não é boba, e como não pode compreender o que acontece comigo, está magoada. Mas querido, o que posso fazer? É muito difícil, pois quando Laura me fuzila com aqueles olhos de jabuticaba, eu perco o chão e não respondo por mim. Tomei a atitude mais fácil e covarde, não quis enfrentar a questão e ser sincera. Mas Humo, querido, tudo ainda é muito novo para mim, e naturalmente, preciso desse tempo, para absorver todas as transformações que se dão.
Estou em retumbantes elucubrações.
Beijos madruguentos,
Branca
domingo, 6 de dezembro de 2009
Branca, estou perdido (lost / perdu)!
sábado, 5 de dezembro de 2009
De Lisboa
Quanta felicidade ao ver sua carta no correio, mal consegui esperar para abrir o envelope em casa, e fui rasgando o papel pela escada, deixando resquícios pelo corrimão. Sentei-me à varanda e li de um só fôlego tudo que tinhas dito. Como é bom ler as palavras tuas, mas ainda me parecem poucas para tamanha saudade. De qualquer maneira, já foram suficientes para alegrar meu dia. O que acontece, querido, é que ainda me sinto uma estranha nessa cidade. Lisboa não é como o Brasil, as pessoas não são tão acolhedoras. Mas aqui é muito bonito, mais bem cuidado,
eu diria. O fato é que me sinto uma estranha nessa cidade, me falta raiz. E justo agora, quando
entra o verão no Brasil, e as pessoas vão à praia tomar sol, me faltam casacos para espantar
o frio. Não vejo a hora de voltar para casa. A verdade é que não consigo me habituar. Humo,
você não imagina como está minha vida, praticamente virada de pernas para o ar, estou
confusa, praticamente uma desconhecida que pulsa inquieta dentro do meu próprio corpo.
A formatura foi deliciosa, ainda bem que agora falta pouco para o regresso. Você bem que
podia vir me visitar antes disso. Enfim, ainda falta entregar o trabalho final, que não consigo
terminar. Querido, como eu dizia, aconteceram muitas coisas nas últimas semanas. Ou se
olhar por outro lado, o real pode ser que não tenha acontecido nada. Mas esse nada que pode significar muito mais que isso, me deixa em suspensão. Parece que preciso nadar para sair do fundo de um rio e respirar, ainda estou no meio do trajeto, quase sem ar. O que ocorre é que, confesso, posso ter sido ludibriada pelas seduções do amor, sim, eu sei, você deve estar rindo agora, não podendo crer no que digo. Mas é verdade, acho que me apaixonei, depois de tanto
tempo, e achando que nunca mais fosse acontecer comigo, que eu não era tão inocente assim,
a ponto de cair nessa. Como a gente se engana não é? Quando menos esperamos, ele reaparece
e nos envolve com suas garras disfarçadas de bons sentimentos, de pequenas chamas,
que te permitem acreditar que dessa vez, por que não? Tudo pode ser diferente. Porém,
querido, já estou sofrendo, imagine, me apaixonei novamente pela pessoa errada. E para
piorar, não sei o que fazer. Não consigo controlar o que sinto, e nunca antes, me pareceu
tão errado gostar de alguém. Tudo começou com palavras que acho, posso ter interpretado
mal, mas o fato é que tudo me instigou de tal forma, que quando dei por mim, já estava mais
envolvida do que queria. O meu mal é que começo a criar histórias que ainda não existem
na minha cabeça, e essas histórias tomam parte da minha vida, e quando eu percebo já não
sei mais como sair disso tudo. Enfim querido, não quero me alongar demais. Muito bom saber
das suas viagens e saber que estás bem. Numa próxima carta te conto com mais detalhes
o que está acontecendo por acá.
Da sua amiga, uma romântica fora de época,
Branca