Querido Humo,
Prometi escrever-te o quanto antes para contar em mais detalhes o que está acontecendo aqui pelas bandas de Lisboa, mas quase não me resta tempo para sentar-me calmamente e dedicar-me a descrever tudo da forma como gostaria. Me é tentador pensar em passar as festas de final de ano em Paris, afinal preciso conhecer a famosa Torre, e quem sabe esta pode ser uma boa oportunidade. Mas enfim, não posso garantir nada no momento, pois como já lhe contei na carta anterior, estou apressada em terminar e entregar, no prazo, o meu último trabalho, e este consome quase o meu dia por inteiro. Querido, você bem que poderia me explicar melhor quem são seus amigos, de que tanto falas, são tantos que acabo me confundindo com os nomes e não sabendo quem é quem. Pelo que entendi, você está dividindo apartamento com o Luke, não é? E como é isso? E Jackie Lee? Me conte mais, fico aqui imaginando os rostos, os jeitos, mas você não me dá informações suficientes para que eu possa criá-los na minha cabeça. Por aqui, ainda estou morando com a Dona Ana, aquela senhorinha que me aluga o quarto, ela é um amor de pessoa, é realmente agradável morar com ela. Mas como já falei repetidas vezes, não consigo me sentir em casa, mesmo com todos os mimos que ela insiste em me fazer. Mas não posso reclamar, é uma senhora muito cuidadosa, o apartamento fica sempre limpo e tem comidas deliciosas todos os dias. Estou é ficando mal acostumada. Amigo confidente, o que acontece, é que minha cabeça está muito confusa, muitas coisas acontecendo. Por acaso, você se lembra de Laura? Ela é aquela menina, que cheguei a mencionar, faz o mesmo curso que eu na faculdade de letras. Ela chegou por aqui um pouco antes de mim, mais ou menos uns três meses. E acabamos nos tornando amigas. Laura tem os cabelos longos, negros e lisos, e uns olhos que espantam à primeira vista, mas que atraem ao mesmo tempo, pois contêm tanto mistério que instigam qualquer ser pensante a desvendá-los. Saudoso Humo, é difícil admitir, até para ti, mas a verdade é que depois de tantos anos de convivência, acabei me apaixonando por Laura. E nem posso explicar-te como aconteceu, pois não sei. Claro, não pretendo tomar nenhuma atitude, só farei aprender a conviver com esse sentimento confuso e tentar administrá-lo da melhor forma possível. Ainda não sei bem como agir, pois quando estou com ela (leia-se quase todos os dias na faculdade) não consigo disfarçar, me sinto estranha. E o que procuro fazer é tomar distância e não conversar muito com ela. Porém, imagino que já tenha notado o meu afastamento, ela não é boba, e como não pode compreender o que acontece comigo, está magoada. Mas querido, o que posso fazer? É muito difícil, pois quando Laura me fuzila com aqueles olhos de jabuticaba, eu perco o chão e não respondo por mim. Tomei a atitude mais fácil e covarde, não quis enfrentar a questão e ser sincera. Mas Humo, querido, tudo ainda é muito novo para mim, e naturalmente, preciso desse tempo, para absorver todas as transformações que se dão.
Estou em retumbantes elucubrações.
Beijos madruguentos,
Branca
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
domingo, 6 de dezembro de 2009
Branca, estou perdido (lost / perdu)!
Minha querida romântica fora de hora,
Agradeço por ter me respondido depressa! Para mim também fazem extrema falta os laços originais - poder falar de meus sentimentos em minha própria língua, resgatar histórias tão importantes para a compreensão deste presente repleto de questionamentos. Do ponto de vista da língua, estás inequivocamente a minha frente – agradeça por poder falar o velho português todos os dias! Parece supérfluo, mas muitas vezes, os obstáculos da língua contribuem para essa atmosfera de intransponível solidão à qual me vejo inserido. Com Luke, em casa, falo em inglês o tempo todo, e como me expresso mal neste idioma, nossa conexão se dá de forma demasiado superficial – ontem mesmo, dedicamo-nos durante horas a uma conversa sobre nossos atuais estados emocionais, e de sua parte, lembro-me muito pouco, exceto pela longuíssima narrativa de sua primeira noite com a mulher que partiu seu coração, dias antes de ele vir para Paris. Entretanto, sei que não posso atribuir apenas à língua nossa difícil comunicação - seu francês é sim bastante infantil, apesar de os pais o terem ensinado desde menino - mas creio que minha falta de interesse sobre sua vida é mesmo, o maior empecilho para nossa aproximação. Americanos! Quão incultos e irrelevantes conseguem ser! Ainda mais nestes dias de hoje, quando frequentemente ultrapassam os limites da arrogância e do bom tom. E é nessas horas, quando me deparo com a brutalidade americana tão de perto, que mais sinto falta do humor e da sensibilidade de Lucien. Apesar de todo o desconforto que sua presença hoje me desperta, tenho pensado tanto sobre ele... Especialmente depois de constatar, durante os longos 20 dias em que estivemos juntos no interior, que do Lucien que conheci sobraram somente alguns escombros assombrosos. É triste constatar que a França que nossos pais conheceram não existe mais e que, depois de toda violência a que foi submetida, tenha se tornado essa nação amorfa e temerosa. Pior ainda é ver de perto que seus cidadãos aderiram, de certa forma, a essa personalidade inconstante e volátil! Temo que Paris torne-se uma Nova Iorque em pouco tempo, com sua grandiosidade caipira e artificial. Peço desculpas antecipadas pelas generalizações – sei que teu olhar crítico e aguçado repudia estas minhas arbitrariedades - e a fim de redimir-me, admito que conheci, na última semana, uma das mulheres mais interessantes com quem já tive o prazer de conversar, e que, para meu espanto, vem a ser um exemplar magnífico (talvez único) da América! No curso de letras, onde estuda com Hélène, é conhecida como Jacqueline Lee, mas a mim, esta linda garota foi apresentada apenas com a simplicidade sonora de Jackie. Conversamos basicamente sobre cavalos, sua grande paixão, e eu, esforçando-me ao máximo para recordar os nomes que meu pai tantas vezes insistiu que decorasse, não dei chance que a conversa caísse em desinteresse! Mais tarde, levei-a à Montmartre para fumarmos haxixe na casa de Alain Bretodeau, onde acabamos por passar a noite conversando sobre Marianne, Delacroix e outras coisas sem sentido das quais não me lembro mais... Foi maravilhoso, faltando apenas tua presença para que me sentisse absolutamente feliz! Querida, quantos momentos poderíamos estar dividindo! Tenho certeza de que se estivéssemos mais próximos, todas essas dúvidas e inseguranças teriam se esvaído por completo... Tens certeza de que voltarás ao Brasil? Não queres passar um tempo em Paris antes de partir? Ao menos para as festas de fim de ano? Isto seria magnífico! Teus pais ainda têm planos de estabelecerem-se em São Paulo? Seguirás o mesmo caminho? Caso volte ao Brasil, não poderei imaginar meus dias longe de ti, acabarei por transferir-me também. Nosso contato à distância tem sido formidável, mas o afeto a que nos habituamos, tuas risadas, a árdua tarefa de abrir nossas garrafas de vinho (por que nunca conseguimos ter um bom saca rolhas?), o tempo que juntos observamos passar com o vento diante de nós... É uma pena que já esteja ficando embriagado novamente e senão por isso, contaria sobre o filme de Jacques Tati que assisti durante a estréia, ontem à noite. Com a presença do próprio Tati, no cinema em que levei Anatole quando esteve em Paris pela primeira vez. Procurei sentar-me na mesma poltrona daquele dia, mas creio que não tenha acertado e passei toda a sessão vivendo esse estranhamento, de estar ou não naquele mesmo lugar. À ocasião, foi ela quem escolheu o lugar em que sentamos, bem ao fundo, para que escapássemos dos olhares dos outros espectadores. Presenciar alguém assistindo a um filme no cinema pela primeira vez é mesmo uma experiência poderosa e inesquecível. Enfim, voltando a tua intrigante carta, preciso que me situes nestes enredos amorosos! Estou tão confuso! Quem é o responsável por todas estas revoluções em teu peito? Seria a pessoa na qual estou pensando? A mesma que estava por chegar em Lisboa? Perdão por todo este interrogatório, mas tu sabes o quão curioso é este teu amigo! Deixas-me inquieto com tuas novidades e suponho que esta seja uma estratégia para incentivar-me a pegar o próximo trem para Lisboa! Não tenhas medo de citar nomes e pormenorizar os acontecimentos, sabes que minha correspondência fica guardada em local seguro e inacessível – a única pessoa que poderia, por acaso encontrá-las, seria o Luke, que mesmo que conseguisse ler uma frase sequer em português, não estaria apto a compreender nossas sutilezas! Desculpe-me, estou rindo feito um louco agora...
Com amor e vinho,
Humo
sábado, 5 de dezembro de 2009
De Lisboa
Querido Humo,
Quanta felicidade ao ver sua carta no correio, mal consegui esperar para abrir o envelope em casa, e fui rasgando o papel pela escada, deixando resquícios pelo corrimão. Sentei-me à varanda e li de um só fôlego tudo que tinhas dito. Como é bom ler as palavras tuas, mas ainda me parecem poucas para tamanha saudade. De qualquer maneira, já foram suficientes para alegrar meu dia. O que acontece, querido, é que ainda me sinto uma estranha nessa cidade. Lisboa não é como o Brasil, as pessoas não são tão acolhedoras. Mas aqui é muito bonito, mais bem cuidado,
eu diria. O fato é que me sinto uma estranha nessa cidade, me falta raiz. E justo agora, quando
entra o verão no Brasil, e as pessoas vão à praia tomar sol, me faltam casacos para espantar
o frio. Não vejo a hora de voltar para casa. A verdade é que não consigo me habituar. Humo,
você não imagina como está minha vida, praticamente virada de pernas para o ar, estou
confusa, praticamente uma desconhecida que pulsa inquieta dentro do meu próprio corpo.
A formatura foi deliciosa, ainda bem que agora falta pouco para o regresso. Você bem que
podia vir me visitar antes disso. Enfim, ainda falta entregar o trabalho final, que não consigo
terminar. Querido, como eu dizia, aconteceram muitas coisas nas últimas semanas. Ou se
olhar por outro lado, o real pode ser que não tenha acontecido nada. Mas esse nada que pode significar muito mais que isso, me deixa em suspensão. Parece que preciso nadar para sair do fundo de um rio e respirar, ainda estou no meio do trajeto, quase sem ar. O que ocorre é que, confesso, posso ter sido ludibriada pelas seduções do amor, sim, eu sei, você deve estar rindo agora, não podendo crer no que digo. Mas é verdade, acho que me apaixonei, depois de tanto
tempo, e achando que nunca mais fosse acontecer comigo, que eu não era tão inocente assim,
a ponto de cair nessa. Como a gente se engana não é? Quando menos esperamos, ele reaparece
e nos envolve com suas garras disfarçadas de bons sentimentos, de pequenas chamas,
que te permitem acreditar que dessa vez, por que não? Tudo pode ser diferente. Porém,
querido, já estou sofrendo, imagine, me apaixonei novamente pela pessoa errada. E para
piorar, não sei o que fazer. Não consigo controlar o que sinto, e nunca antes, me pareceu
tão errado gostar de alguém. Tudo começou com palavras que acho, posso ter interpretado
mal, mas o fato é que tudo me instigou de tal forma, que quando dei por mim, já estava mais
envolvida do que queria. O meu mal é que começo a criar histórias que ainda não existem
na minha cabeça, e essas histórias tomam parte da minha vida, e quando eu percebo já não
sei mais como sair disso tudo. Enfim querido, não quero me alongar demais. Muito bom saber
das suas viagens e saber que estás bem. Numa próxima carta te conto com mais detalhes
o que está acontecendo por acá.
Da sua amiga, uma romântica fora de época,
Branca
Quanta felicidade ao ver sua carta no correio, mal consegui esperar para abrir o envelope em casa, e fui rasgando o papel pela escada, deixando resquícios pelo corrimão. Sentei-me à varanda e li de um só fôlego tudo que tinhas dito. Como é bom ler as palavras tuas, mas ainda me parecem poucas para tamanha saudade. De qualquer maneira, já foram suficientes para alegrar meu dia. O que acontece, querido, é que ainda me sinto uma estranha nessa cidade. Lisboa não é como o Brasil, as pessoas não são tão acolhedoras. Mas aqui é muito bonito, mais bem cuidado,
eu diria. O fato é que me sinto uma estranha nessa cidade, me falta raiz. E justo agora, quando
entra o verão no Brasil, e as pessoas vão à praia tomar sol, me faltam casacos para espantar
o frio. Não vejo a hora de voltar para casa. A verdade é que não consigo me habituar. Humo,
você não imagina como está minha vida, praticamente virada de pernas para o ar, estou
confusa, praticamente uma desconhecida que pulsa inquieta dentro do meu próprio corpo.
A formatura foi deliciosa, ainda bem que agora falta pouco para o regresso. Você bem que
podia vir me visitar antes disso. Enfim, ainda falta entregar o trabalho final, que não consigo
terminar. Querido, como eu dizia, aconteceram muitas coisas nas últimas semanas. Ou se
olhar por outro lado, o real pode ser que não tenha acontecido nada. Mas esse nada que pode significar muito mais que isso, me deixa em suspensão. Parece que preciso nadar para sair do fundo de um rio e respirar, ainda estou no meio do trajeto, quase sem ar. O que ocorre é que, confesso, posso ter sido ludibriada pelas seduções do amor, sim, eu sei, você deve estar rindo agora, não podendo crer no que digo. Mas é verdade, acho que me apaixonei, depois de tanto
tempo, e achando que nunca mais fosse acontecer comigo, que eu não era tão inocente assim,
a ponto de cair nessa. Como a gente se engana não é? Quando menos esperamos, ele reaparece
e nos envolve com suas garras disfarçadas de bons sentimentos, de pequenas chamas,
que te permitem acreditar que dessa vez, por que não? Tudo pode ser diferente. Porém,
querido, já estou sofrendo, imagine, me apaixonei novamente pela pessoa errada. E para
piorar, não sei o que fazer. Não consigo controlar o que sinto, e nunca antes, me pareceu
tão errado gostar de alguém. Tudo começou com palavras que acho, posso ter interpretado
mal, mas o fato é que tudo me instigou de tal forma, que quando dei por mim, já estava mais
envolvida do que queria. O meu mal é que começo a criar histórias que ainda não existem
na minha cabeça, e essas histórias tomam parte da minha vida, e quando eu percebo já não
sei mais como sair disso tudo. Enfim querido, não quero me alongar demais. Muito bom saber
das suas viagens e saber que estás bem. Numa próxima carta te conto com mais detalhes
o que está acontecendo por acá.
Da sua amiga, uma romântica fora de época,
Branca
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Querida, estou de volta
Querida Branca,
Como é delicioso imaginá-la sentada sob a janela, abrindo contra a luz o envelope com a carta que agora escrevo. Fecho os olhos e consigo ver-te, balançando as pernas em enorme excitação. Isto alegra-me intensamente, saber que estás aí, aguardando respostas para a pergunta que mal sei responder – "Por onde andas, Humo?", relembrando nossas tardes ensolaradas, as garrafas de rosé... Tudo isso perdido no vácuo dessa distância abafada pelo verão, pelos dias quentes nos quais me perco, fujo. Tentei escrever esta resposta desde a semana passada, iniciei-a diversas vezes, achei que não teria o que dizer – a não ser que sinto-me exatamente como tu, especialmente, no que diz respeito a estar atado, a não saber que rumo tomar. Mais que isso, não tenho a acrescentar, nem a ti, nem a ninguém. Regressei a Paris há apenas duas semanas, de onde estive longe para tentar afastar os maus pensamentos que a escrita tem me trazido, esses pensamentos que, de certa forma, tiram-me por completo a sensibilidade. Estou cético e impaciente, comigo e com os outros, e por tudo isso, decidi flanar pelo interior, ao lado de quatro colegas da universidade. Reunimo-nos e simplesmente partimos, para a casa de verão de Luke, o rapaz que atualmente divide um quarto comigo no pensionato. Conosco estavam também Helène e Sophie, duas estudantes da escola de letras, a última delas, alguém que preciso muito apresentar-te (lembra-me muito de ti, o que não é caso para criar ciúmes!). Ainda junto à caravana, esteve Lucien, que insistiu para que fosse, a despeito de todas as minhas manifestações de que não seria bem vindo. Podes imaginar o quanto atormentou-me sua presença durante os vinte dias que estivemos reunidos. Duro admitir isso. Apesar dos conflitos, comuns da convivência entre pessoas de naturezas tão distintas, nosso tempo à la campagne foi bastante proveitoso, trouxe-me renovação. A exposição às novas idéias, mesmo elas sendo – em minha opinião, demasiado retrógradas - propõe um jogo bastante elucidativo, por vezes até divertido! Contudo, à altura do vigésimo dia, concluí que precisava de um tempo para estar absolutamente só. Assim, parti para o lugar onde sinto-me mais solitário neste país, a cidade onde conheci Anatole - deves lembrar muito bem e deves saber como me senti ao confrontar sua ausência. Em Lyon, vaguei a primeira noite durante horas! Nunca imaginei que fosse capaz de tamanho esforço... Encontrei-me com alguns conhecidos, enlouqueci com as novidades que alguns deles me ofereceram. Senti-me lúcido novamente, isolado apesar das companhias, feliz até. Até por não ter sua presença. Claro, acordei onde menos esperava, cansado e imundo, sozinho novamente, mas com aquela presença inequívoca por todo o corpo. Desembarquei em Paris à noite, naquele mesmo dia, sabendo que não havia felicidade maior do que desembarcar em Paris durante à noite. Chorei até, e optando por caminhar até o velho Chat Noir, senti-me como se estivesse ao teu lado, mesmo nas ruas mais escuras. Foi maravilhoso. E miraculosamente, sentado frente ao balcão, olhei para trás e não percebi ninguém que sequer conhecesse. Querida, nossa falta é recíproca. Temos tanto a dizer que sinto que nos afogaremos à distância, ao mesmo tempo. Preciso que me contes tudo o que a esta altura já deve ter acontecido, e que, absurdamente, não pude presenciar e dividir com você. Conte-me da formatura, conte-me se será possível recordá-la para o resto da vida. Conte-me tudo. Conte-me dela.
Com muito amor,
Humo
Como é delicioso imaginá-la sentada sob a janela, abrindo contra a luz o envelope com a carta que agora escrevo. Fecho os olhos e consigo ver-te, balançando as pernas em enorme excitação. Isto alegra-me intensamente, saber que estás aí, aguardando respostas para a pergunta que mal sei responder – "Por onde andas, Humo?", relembrando nossas tardes ensolaradas, as garrafas de rosé... Tudo isso perdido no vácuo dessa distância abafada pelo verão, pelos dias quentes nos quais me perco, fujo. Tentei escrever esta resposta desde a semana passada, iniciei-a diversas vezes, achei que não teria o que dizer – a não ser que sinto-me exatamente como tu, especialmente, no que diz respeito a estar atado, a não saber que rumo tomar. Mais que isso, não tenho a acrescentar, nem a ti, nem a ninguém. Regressei a Paris há apenas duas semanas, de onde estive longe para tentar afastar os maus pensamentos que a escrita tem me trazido, esses pensamentos que, de certa forma, tiram-me por completo a sensibilidade. Estou cético e impaciente, comigo e com os outros, e por tudo isso, decidi flanar pelo interior, ao lado de quatro colegas da universidade. Reunimo-nos e simplesmente partimos, para a casa de verão de Luke, o rapaz que atualmente divide um quarto comigo no pensionato. Conosco estavam também Helène e Sophie, duas estudantes da escola de letras, a última delas, alguém que preciso muito apresentar-te (lembra-me muito de ti, o que não é caso para criar ciúmes!). Ainda junto à caravana, esteve Lucien, que insistiu para que fosse, a despeito de todas as minhas manifestações de que não seria bem vindo. Podes imaginar o quanto atormentou-me sua presença durante os vinte dias que estivemos reunidos. Duro admitir isso. Apesar dos conflitos, comuns da convivência entre pessoas de naturezas tão distintas, nosso tempo à la campagne foi bastante proveitoso, trouxe-me renovação. A exposição às novas idéias, mesmo elas sendo – em minha opinião, demasiado retrógradas - propõe um jogo bastante elucidativo, por vezes até divertido! Contudo, à altura do vigésimo dia, concluí que precisava de um tempo para estar absolutamente só. Assim, parti para o lugar onde sinto-me mais solitário neste país, a cidade onde conheci Anatole - deves lembrar muito bem e deves saber como me senti ao confrontar sua ausência. Em Lyon, vaguei a primeira noite durante horas! Nunca imaginei que fosse capaz de tamanho esforço... Encontrei-me com alguns conhecidos, enlouqueci com as novidades que alguns deles me ofereceram. Senti-me lúcido novamente, isolado apesar das companhias, feliz até. Até por não ter sua presença. Claro, acordei onde menos esperava, cansado e imundo, sozinho novamente, mas com aquela presença inequívoca por todo o corpo. Desembarquei em Paris à noite, naquele mesmo dia, sabendo que não havia felicidade maior do que desembarcar em Paris durante à noite. Chorei até, e optando por caminhar até o velho Chat Noir, senti-me como se estivesse ao teu lado, mesmo nas ruas mais escuras. Foi maravilhoso. E miraculosamente, sentado frente ao balcão, olhei para trás e não percebi ninguém que sequer conhecesse. Querida, nossa falta é recíproca. Temos tanto a dizer que sinto que nos afogaremos à distância, ao mesmo tempo. Preciso que me contes tudo o que a esta altura já deve ter acontecido, e que, absurdamente, não pude presenciar e dividir com você. Conte-me da formatura, conte-me se será possível recordá-la para o resto da vida. Conte-me tudo. Conte-me dela.
Com muito amor,
Humo
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