domingo, 6 de dezembro de 2009

Branca, estou perdido (lost / perdu)!


Minha querida romântica fora de hora,

Agradeço por ter me respondido depressa! Para mim também fazem extrema falta os laços originais - poder falar de meus sentimentos em minha própria língua, resgatar histórias tão importantes para a compreensão deste presente repleto de questionamentos. Do ponto de vista da língua, estás inequivocamente a minha frente – agradeça por poder falar o velho português todos os dias! Parece supérfluo, mas muitas vezes, os obstáculos da língua contribuem para essa atmosfera de intransponível solidão à qual me vejo inserido. Com Luke, em casa, falo em inglês o tempo todo, e como me expresso mal neste idioma, nossa conexão se dá de forma demasiado superficial – ontem mesmo, dedicamo-nos durante horas a uma conversa sobre nossos atuais estados emocionais, e de sua parte, lembro-me muito pouco, exceto pela longuíssima narrativa de sua primeira noite com a mulher que partiu seu coração, dias antes de ele vir para Paris. Entretanto, sei que não posso atribuir apenas à língua nossa difícil comunicação - seu francês é sim bastante infantil, apesar de os pais o terem ensinado desde menino - mas creio que minha falta de interesse sobre sua vida é mesmo, o maior empecilho para nossa aproximação. Americanos! Quão incultos e irrelevantes conseguem ser! Ainda mais nestes dias de hoje, quando frequentemente ultrapassam os limites da arrogância e do bom tom. E é nessas horas, quando me deparo com a brutalidade americana tão de perto, que mais sinto falta do humor e da sensibilidade de Lucien. Apesar de todo o desconforto que sua presença hoje me desperta, tenho pensado tanto sobre ele... Especialmente depois de constatar, durante os longos 20 dias em que estivemos juntos no interior, que do Lucien que conheci sobraram somente alguns escombros assombrosos. É triste constatar que a França que nossos pais conheceram não existe mais e que, depois de toda violência a que foi submetida, tenha se tornado essa nação amorfa e temerosa. Pior ainda é ver de perto que seus cidadãos aderiram, de certa forma, a essa personalidade inconstante e volátil! Temo que Paris torne-se uma Nova Iorque em pouco tempo, com sua grandiosidade caipira e artificial. Peço desculpas antecipadas pelas generalizações – sei que teu olhar crítico e aguçado repudia estas minhas arbitrariedades - e a fim de redimir-me, admito que conheci, na última semana, uma das mulheres mais interessantes com quem já tive o prazer de conversar, e que, para meu espanto, vem a ser um exemplar magnífico (talvez único) da América! No curso de letras, onde estuda com Hélène, é conhecida como Jacqueline Lee, mas a mim, esta linda garota foi apresentada apenas com a simplicidade sonora de Jackie. Conversamos basicamente sobre cavalos, sua grande paixão, e eu, esforçando-me ao máximo para recordar os nomes que meu pai tantas vezes insistiu que decorasse, não dei chance que a conversa caísse em desinteresse! Mais tarde, levei-a à Montmartre para fumarmos haxixe na casa de Alain Bretodeau, onde acabamos por passar a noite conversando sobre Marianne, Delacroix e outras coisas sem sentido das quais não me lembro mais... Foi maravilhoso, faltando apenas tua presença para que me sentisse absolutamente feliz! Querida, quantos momentos poderíamos estar dividindo! Tenho certeza de que se estivéssemos mais próximos, todas essas dúvidas e inseguranças teriam se esvaído por completo... Tens certeza de que voltarás ao Brasil? Não queres passar um tempo em Paris antes de partir? Ao menos para as festas de fim de ano? Isto seria magnífico! Teus pais ainda têm planos de estabelecerem-se em São Paulo? Seguirás o mesmo caminho? Caso volte ao Brasil, não poderei imaginar meus dias longe de ti, acabarei por transferir-me também. Nosso contato à distância tem sido formidável, mas o afeto a que nos habituamos, tuas risadas, a árdua tarefa de abrir nossas garrafas de vinho (por que nunca conseguimos ter um bom saca rolhas?), o tempo que juntos observamos passar com o vento diante de nós... É uma pena que já esteja ficando embriagado novamente e senão por isso, contaria sobre o filme de Jacques Tati que assisti durante a estréia, ontem à noite. Com a presença do próprio Tati, no cinema em que levei Anatole quando esteve em Paris pela primeira vez. Procurei sentar-me na mesma poltrona daquele dia, mas creio que não tenha acertado e passei toda a sessão vivendo esse estranhamento, de estar ou não naquele mesmo lugar. À ocasião, foi ela quem escolheu o lugar em que sentamos, bem ao fundo, para que escapássemos dos olhares dos outros espectadores. Presenciar alguém assistindo a um filme no cinema pela primeira vez é mesmo uma experiência poderosa e inesquecível. Enfim, voltando a tua intrigante carta, preciso que me situes nestes enredos amorosos! Estou tão confuso! Quem é o responsável por todas estas revoluções em teu peito? Seria a pessoa na qual estou pensando? A mesma que estava por chegar em Lisboa? Perdão por todo este interrogatório, mas tu sabes o quão curioso é este teu amigo! Deixas-me inquieto com tuas novidades e suponho que esta seja uma estratégia para incentivar-me a pegar o próximo trem para Lisboa! Não tenhas medo de citar nomes e pormenorizar os acontecimentos, sabes que minha correspondência fica guardada em local seguro e inacessível – a única pessoa que poderia, por acaso encontrá-las, seria o Luke, que mesmo que conseguisse ler uma frase sequer em português, não estaria apto a compreender nossas sutilezas! Desculpe-me, estou rindo feito um louco agora...

Com amor e vinho,
Humo

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