Querida Branca,
Como é delicioso imaginá-la sentada sob a janela, abrindo contra a luz o envelope com a carta que agora escrevo. Fecho os olhos e consigo ver-te, balançando as pernas em enorme excitação. Isto alegra-me intensamente, saber que estás aí, aguardando respostas para a pergunta que mal sei responder – "Por onde andas, Humo?", relembrando nossas tardes ensolaradas, as garrafas de rosé... Tudo isso perdido no vácuo dessa distância abafada pelo verão, pelos dias quentes nos quais me perco, fujo. Tentei escrever esta resposta desde a semana passada, iniciei-a diversas vezes, achei que não teria o que dizer – a não ser que sinto-me exatamente como tu, especialmente, no que diz respeito a estar atado, a não saber que rumo tomar. Mais que isso, não tenho a acrescentar, nem a ti, nem a ninguém. Regressei a Paris há apenas duas semanas, de onde estive longe para tentar afastar os maus pensamentos que a escrita tem me trazido, esses pensamentos que, de certa forma, tiram-me por completo a sensibilidade. Estou cético e impaciente, comigo e com os outros, e por tudo isso, decidi flanar pelo interior, ao lado de quatro colegas da universidade. Reunimo-nos e simplesmente partimos, para a casa de verão de Luke, o rapaz que atualmente divide um quarto comigo no pensionato. Conosco estavam também Helène e Sophie, duas estudantes da escola de letras, a última delas, alguém que preciso muito apresentar-te (lembra-me muito de ti, o que não é caso para criar ciúmes!). Ainda junto à caravana, esteve Lucien, que insistiu para que fosse, a despeito de todas as minhas manifestações de que não seria bem vindo. Podes imaginar o quanto atormentou-me sua presença durante os vinte dias que estivemos reunidos. Duro admitir isso. Apesar dos conflitos, comuns da convivência entre pessoas de naturezas tão distintas, nosso tempo à la campagne foi bastante proveitoso, trouxe-me renovação. A exposição às novas idéias, mesmo elas sendo – em minha opinião, demasiado retrógradas - propõe um jogo bastante elucidativo, por vezes até divertido! Contudo, à altura do vigésimo dia, concluí que precisava de um tempo para estar absolutamente só. Assim, parti para o lugar onde sinto-me mais solitário neste país, a cidade onde conheci Anatole - deves lembrar muito bem e deves saber como me senti ao confrontar sua ausência. Em Lyon, vaguei a primeira noite durante horas! Nunca imaginei que fosse capaz de tamanho esforço... Encontrei-me com alguns conhecidos, enlouqueci com as novidades que alguns deles me ofereceram. Senti-me lúcido novamente, isolado apesar das companhias, feliz até. Até por não ter sua presença. Claro, acordei onde menos esperava, cansado e imundo, sozinho novamente, mas com aquela presença inequívoca por todo o corpo. Desembarquei em Paris à noite, naquele mesmo dia, sabendo que não havia felicidade maior do que desembarcar em Paris durante à noite. Chorei até, e optando por caminhar até o velho Chat Noir, senti-me como se estivesse ao teu lado, mesmo nas ruas mais escuras. Foi maravilhoso. E miraculosamente, sentado frente ao balcão, olhei para trás e não percebi ninguém que sequer conhecesse. Querida, nossa falta é recíproca. Temos tanto a dizer que sinto que nos afogaremos à distância, ao mesmo tempo. Preciso que me contes tudo o que a esta altura já deve ter acontecido, e que, absurdamente, não pude presenciar e dividir com você. Conte-me da formatura, conte-me se será possível recordá-la para o resto da vida. Conte-me tudo. Conte-me dela.
Com muito amor,
Humo
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
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