Branca,
Como pode ter feito isso comigo? Estive morrendo de preocupação durante todo esse tempo e cheguei a achar que algo seriíssimo havia te acontecido! Na semana passada estava falando com Luke e ele mesmo me incentivou que fosse a Lisboa buscar notícias tuas. Por que teve que voltar às pressas? Foi por causa de tua avó que voltastes? O que ela teve? Continuo com planos de ir à Lisboa, por isso me diga se posso apanhar tuas coisas nalgum lugar. Eu detestaria saber que os objetos pessoais de uma amiga como você foram parar nas mãos de estranhos! E minhas cartas? Levastes? Toda essa reviravolta me deixou completamente anuviado e nem sei bem o que dizer... Se ao menos tivesse uma cópia da última mensagem que te enviei saberia por onde começar. Bem, acredito que minhas últimas palavras tenham sido em torno de Henrique, meu primo, que depois da guerra permaneceu na Europa e que agora já deve estar de volta ao Brasil. Minha amiga, tantas coisas aconteceram desde aquele dia em que nos encontramos... Depois de nossa viagem e de todo o sofrimento pelo qual passamos. Como era de se esperar, logo após a partida de Henrique, eu e Luke nos envolvemos e passamos a ter um relacionamento amoroso de muitíssimo afeto. Se não fosse por culpa do amor que sinto por Henrique, talvez eu e Luke ficássemos juntos para sempre. Acontece que, dois meses depois da partida de meu amado, adoeci e pensei que morrer seria minha única salvação. Luke, frágil e apaixonado, sofreu tanto que desistiu de me ver naquele estado – pediu ajuda a nossos amigos e afogou-se em bebidas e haxixe como eu nunca havia antes presenciado. Foi uma tortura para todos nós, tendo apenas nossa querida Jackie, e sua inexplicável sensatez, a zelar por nós nestes dias tão difíceis. Estive completamente louco devido aos medicamentos e entorpecentes que andei tomando, especialmente quando descobri, através de minha irmã, que Henrique decidiu casar-se com Mariana, nossa prima em comum, para assim ascender na mineradora de meu pai e meu tio. Branca, não sabes o que passei em Paris nesses dias... O que pode estar se passando pela cabeça de meu primo? Casar-se para ter status e empregados a sua disposição? Ele não pode estar amando Mariana, isso não pode ser possível! A discrição com que tenho que falar com minha irmã sobre o assunto me impede de saber dos detalhes desta espalhafatosa e imprevisível união... Nenhuma de minhas cartas foram respondidas por Henrique desde então e, sinceramente, não tenho mais forças para pensar sobre este assunto. Querida, peço-lhe que fique atenta a qualquer notícia que possa vir a ter destes dois. Sei que o casamento não tardará a acontecer e se bem conheço minha prima, insossa e previsível, deve esperar para casar-se com ele na próxima primavera, em meio a muitíssimas flores... Paris não é mais a mesma para mim e penso realmente em mudar-me para algum outro lugar da Europa tão logo consiga meu diploma em Nanterre. Talvez tente a vida em Madri ou em qualquer outro lugar no qual possa me divertir e ganhar algum dinheiro para me sustentar! Se não fosse por Monmartre e pela boemia, creio que jamais sentiria falta deste país triste e sombrio. A sensação que tenho é que nunca conseguirei ser feliz numa cidade tão enfeitiçada pela esperança de renovação a qual se faz refém. Paris é um lixo, um faz de conta que deu certo nesse velho mundo destruído. Bem, não posso me alongar mais porque estou correndo para a aula da tarde e, já que no caminho está o correio, preciso aproveitar para mandar-te estas notícias. Como sei que ficarás curiosa quanto a minha vida amorosa, tenho que contar que estou envolvido com um jovem desenhista chamado Yves Henri. Ele tem apenas 17 anos, mas com ele consigo conversar sobre tudo, ao contrário de Henrique e Luke, o que me faz acreditar que talvez venha a me apaixonar em breve por ele... Assim como deve ter ocorrido entre você e Laura. Por falar nela, conte-me tudo o que aconteceu entre vocês e se ainda mantêm algum contato! Peço ainda que te afastes de Fausto! Ele é completamente louco e acho muito suspeito que tenha conseguido meu paradeiro em Paris. Fale com mamãe e peça a ela que não continue dando informações sobre minha vida para ele! Estou ansioso para saber o que estás planejando com este livro e para ver minha vida com os teus olhos! Só de pensar neste romance fico com um largo sorriso no rosto! Como será este tal Luís Henrique? Espero que ele não tenha nada a ver com o meu Henrique e muito a ver com esse tal Luís, que não sei de onde tirastes, mas que me encanta pela sonoridade do nome... Se depender de nossas histórias em Petrópolis e no Rio, sei que teu romance será um enorme sucesso. Muito boa sorte neste projeto, minha querida! Espero tua carta avidamente!
Je t'embrace très très fort,
Humo.
PS: Acreditas que Charles agora trabalha para Edith Piaf? Isso não é simplesmente incrível? Na próxima te conto como isso tudo se deu e como espero me beneficiar disto!
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